24 de dez. de 2011

17 de dez. de 2011

vertigem em teu abraço

ao vê-la, pela primeira e única vez, vontade: abraçar. vertiginosamente, ainda se ver envolvido para sempre pela captura de um olhar como que alagado. traços cobreados em ranhuras a sombrear dois instáveis pontos em brilho. insistentes, sob forma de olhos, ali vagando.
....e nela deixar-se ficar. braços entre braços, corpos ungidos, transferência nunca mais apartada. assim transportar o então gravado, feito buril no metal, inscrição antiga encavada na ausência de opção, traços de afogamento. secura de solidão em direção ao fundo.
....tempo atrás: cidadezinha sem eletricidade. o circo chegava com sua magia. mastros, lonas, arquibancadas e bandeirolas plantavam-se num descampado do lugar. verdadeiro fulgor em lâmpadas! de seu hipnótico encanto, vaga intuição – a de poder haver escape.
....cores, picadeiro, cheiro de algodão doce e de serragem, trapézios, anões, feras domesticadas, mulher barbada. lá fora, o imantado movimento da roda-gigante. barulho de gerador pondo mais alarido à excitação dos visitantes. clarão na desilusão, recorte na falta de horizonte, na ausência de atalhos.
....tudo tão maravilhoso quanto inacessível. miragem em passagem. vinham, para logo ir. mas, se iam, havia um para onde. com eles, saída, escapamento, oportunidade. salto mortal a abalar o globo da morte da provinciana cidade. cuspir a fogo facas lançadas às cegas. ir.
....ir-se. como a entrega ao abraço naquela mulher e seus olhos de aquosa instabilidade. condição desejante reescrita. nos braços dela deixar-se reter igual a tinta aos sulcos de uma placa de cobre. gravura de um saimento: angústia como vertigem de liberdade.

Idílio na Noite, M. Gruber, água-forte, 1963

20 de nov. de 2011

entre nós

quem sabe, ela a flanar entre nós
livre de peso e já eterna
sutil e tridimensional:

éter apreendido por cores
em 6 de novembro de 2011
foto: Oli de Castro

16 de out. de 2011

nado no invisível


foi há muito tempo, quando ainda na casa dos meus pais. da janela do quarto de dormir, via-se o tronco inclinado de uma árvore, que de fato nunca houve ali. levemente molhado, o musgo que o recobria era de um verde escuro vivo. numa das paredes internas, desde o teto de ponta a ponta escorria água, em uma fina mas constante camada. percebi então, nadando por ali, pequenos peixes, desses de aquário, coloridos e graciosos e com diferentes formatos. flutuavam em seus movimentos como se submersos. gestos de absoluta serenidade ondulante, a indicar a naturalidade – desde sempre – de tudo aquilo. as cores fortes e a beleza do deslocar-se deles me magnetizavam. aproximo amistosamente o indicador direito de um peixinho, um vermelho de longas e delgadas barbatanas. queria senti-lo (crê-lo?). pouco antes do toque, o salto agressivo, o bote inesperado ao meu dedo. deu para retirá-lo a tempo, recuar assustado diante de desproporcional ameaça. e, aí, já num misto de atração e medo, contemplar o ser de nado em suspensão e de profundo descaso ao ocorrido. apenas cortava o invisível em indisfarçável superioridade por sua magia. etéreo, entre a parede a verter água e o meu olhar. lá fora, o tronco em umidade de intensos tons.

15 de out. de 2011

olhar de jacaré

feito túnel, visão através de olho de jacaré. num pântano, envolvido por denso nevoeiro, o sujeito arma-se de pernas de pau no intento de atravessar incólume meu sonho. mácula em sombra, filme não assistido, vagas de cores psicodélicas ao acordar.

4 de set. de 2011

3 de set. de 2011

janela perfurada

o barrento São Francisco, porto de Januária. barco atracado.
     desde o cais, o pulo da linda jovem, inesperada companheira de viagem. ela já havia se lançado antes – para o pasmo de tantos – do alto da enorme ponte Presidente Dutra, entre Juazeiro e Petrolina. agora o fazia não tanto pelo salto em si, de reles 3 metros, mas para refrescar-se da quentura nordestina em janeiro.
     se da vez anterior de minha parte não houve a mais remota cogitação de bravata em emitá-la, ali me vi – sabe-se lá por qual razão – no impulso de também me precipitar atrás dela. e, ainda por cima, me jogar logo de cabeça! considerando-se minha paúra de altura, a elevada temperatura não era incentivo suficiente para me atirar lá de cima. mesmo porque em algum outro ponto do porto haveria acesso direto ao nível da água. pergunto-me hoje se o gesto repentino de segui-la traria a intenção de romper com antigas aversões a lugares elevados, como trampolim e galhos de árvores altas.
    no átimo entre os pés perderem contato com o cais e me perceber de braços estendidos sobre a cabeça – feito agulha a mirar o rio a ser perfurado –, uma visão: na linha d’água, uma janela a ser estraçalhada por minha passagem por ela. a cena congelada – o horror paralisante em pleno salto a fixar em suspensão a pergunta “o que estou fazendo aqui?!”
     e que diabos significaria aquela janela no meu caminho? nem a água fria em contraste com o enorme calor do corpo, muito menos a necessidade de lutar contra a correnteza para voltar à margem, tampouco o fato de ali, afinal, meu movimento de saltar ter tido êxito – nada disso arrefeceu, mesmo ao longo dos muitos anos posteriores, a medonha sensação dos intermináveis décimos de segundo daquela projeção no ar ante um impacto com a tal janela!

27 de ago. de 2011

esta cidade não é a minha.
     aquela em que fui gerado, parido e na qual vivi minha infância impregnou-me com suas águas negras e límpidas. e ainda por calor insuportável e umidade em forma de respiro. seu provincianismo pra sempre a sufocar, pior que brotoejas – jamais tê-lo na pele. nenhum talco jhonson misturado a alfazema dá conta. ventilador, por mais rente, não o alivia. e negar tal cidade também fez parte da presença dela em mim. na recusa, sua afirmação. ou, ao negá-la, confirmar – sua ausência de mim. perda a configurar.
     contudo, é nesta cidade atual que me reencontro. numa noite especialmente fria, plena de garoa, o deparar com o acelerado ritmo cultural do lugar. estar cara a cara com Herzog – o ‘diretor de anões’ em carne e osso – e seus documentários apenas emblematiza esse fluxo indescritível de paulistanidade. e tudo isso me presentifica e flui e me percorre, ainda mais efetivamente que o vento gelado a esgueirar-se sob a roupa pesada.
     pelos enquadramentos da urbe, redescobrimento de gentes – apesar de toda sua imensidão a se perder. três ou mais décadas passadas. como que pausada. e retomada sem paralelos. só aqui possível, posto esquinas de minhas circunstâncias. mesmo após anos e anos fora, é nela que uma gênese fílmica se projeta. psique a borbulhar, narrativas impensadas de outro cruzar. frio e garoa banhando a alma, profundamente feito o bordejo de um igarapé amazônico.
     nas margens, algo não concluído. a realizar-se. um aspecto de permissão, de insanidade, de encontro radical consigo. lampejo integral. um artístico por ser escrito. inscrito. borda. e um contínuo deslocar.

15 de ago. de 2011

porquanto chovesse, a água a escorrer não parasse,
o tempo teimasse em não se firmar
e não houvesse perspectiva do menor perdão à existência,
todos nos deixamos levar, vagos, 
pelos desvãos da ausência dela.
 ainda à Olguinha

25 de jun. de 2011

inocupável não se ter

após o fim de semana prolongado por feriado, de paixão intensa e desejos inebriantes satisfeitos, ele pega o avião de volta à sua cidade, enquanto ela, o carro pela autopista, em direção à sua.
     quando já instalado no escritório da empresa, ele abre da pasta de emails uma mensagem de pretenso remetente desconhecido: “a todo instante um frio me percorre a espinha. mordo instintivamente os lábios. e sinto você novamente dentro de mim”.

condensação. síntese em arrebatamento, não aberta a todos os sentidos. quem sabe, a quase nenhum. mas uma linha, corte divisor. camadas possibilitadoras. até porque: escrever tudo não se escreve mesmo. e, ainda assim, se escreve.
     o encontro, a permissão, o suar. gozo de momentos. no contorno de um hiato, um inocupável não dizer. letras sem corpo da escrita, corpos como palavra dada. não ser preenchido. mas circundado, ciente da potencial ausência. na sua não escritura. apenas no tido. ter disso dimensão. o deleito do novo, num corpo novo, de gente nova.
     por ali poder. ânfora em que se desagua. arco em flecha, ato, desejo daquilo que não se tem. e assim se tem. amém.

24 de mai. de 2011


linha d’água num corte de urbe
luminária –
bafejo de noite vazia em pleno
desalento
 

29 de mar. de 2011

libélula fala?

Clarisse e Sofia, é como se chamam. Nelas, praticamente só os nomes são diferentes. O encaracolado dos cabelos, o sorriso que chega às bochechas e a enorme curiosidade para com tudo que vai à volta, isso tudo é idêntico nas duas. Difícil mesmo, quase sempre, fica em saber qual é a Clarisse, qual a Sofia...
......Outro dia estavam a fuçar pelo jardim, na casa de um dos tios delas. Em meio a borboletas e outros seres alados que pousavam de flor em flor e que a todo instante cruzavam com elas, eis que surgiu um bichinho particularmente diferente: era uma libélula, cuja existência até ali desconheciam. Ela parou à frente das meninas e ficou encarando as duas. É, ela parou mesmo no ar! Ficou lá, feito helicóptero: nem subia nem descia, não ia pra frente nem pra trás. Só com as asas batendo e batendo, sem sair do lugar.
......E olhou pra uma, depois pra outra, e voltou pra primeira... As gêmeas logo perceberam que estavam sendo encaradas, vejam só!, por aquele insetinho de asas duplas, imóvel em pleno ar. Até que Sofia, a mais espevitada das duas, se saiu com essa:
......― Que foi?! Nunca viu não, cara de pavio?

......― Não mesmo!, respondeu o bichinho. Assim tão igualzinha uma à outra, nunca mesmo!
......Aí foram as duas que, espantadíssimas, olharam uma pra outra! Credo! E inseto fala? Desde quando? Bem, pelo visto, desde agora – parecia terem concluído as duas, pois logo estavam conversando com a libélula.
......E, olhando-a daquele jeito tão de perto, chamou-lhes a atenção o tamanho dos olhos dela. Clarisse repetiu a pergunta bem conhecida de um livrinho que sua mãe costumava ler pra elas:
......― Pra que esses olhos tão grandes?
......“Ah, eles servem pra ver bem melhor” – explicou a libélula. “Eles têm um monte de divisões, e termina sendo como se fossem muitos e muitos olhinhos, todos bem juntinhos. Assim, enxergo pra tudo que é lado ao mesmo tempo. Ops! e por falar nisso, estou vendo um lanchinho ali!”
......E lá se foi ela atrás de um apetitoso mosquito, deixando Clarisse e Sofia de bocas abertas, enquanto tentavam seguir com os olhos aquele voo muito do seu irriquieto em asas transparentes.

9 de mar. de 2011

assoado de ti

Quando como que assoado de ti, pus-me a errar. Vago, sem qualquer consistência que pusesse sentido àquela dispensa: plena e efetiva em seu completo descaso. Descarte a toda prova.
.....Ser expelido, perambulando ao sabor de vagas insones, Odisseu sem sua Ítaca, expulso de qualquer possibilidade de norte.
.....Isso acabou por debruçar-me sobre incontáveis gestos de desesperos. Os mais profundos – e dolorosos – estavam entre os mais silenciosos.
.....Mas, açodado, fiz-me deserto. Nunca mais escrever. Não mais vir a público. Jamais.

Meses de suportabilidade. Resistência à insistência. Conflito interno, refluxo calado, a emergir, a deglutir, a forçar sua torrente. A testar a tolerância à ausência do menor tino.
.....Contudo, dá-se o escape. Permissão para um só poema. Um só registro. E só.
.....Num jorro, a síntese em tão enxutos, condensados, suados versos. Porteira aberta...
.....E a cada incontinente escrito, de fato por fim concebido, ao menos uma limitação se fazia imposta: o anterior de imediato destruído. Quase um ritual, com a porta do escritório devidamente serrada. Na penumbra, a folha desbancada era dobrada em três e, sanfonada e equilibrada sobre o cinzeiro, posta a queimar. De cima para baixo. Reduzida a cinzas, essas iam logo privada adentro... Purificado eu.
.....Se efetivamente incontido, o desejo ia ao papel, como que regurgitado, a depurar-se, em inumeráveis digressões, digestões em luta por se fazer presentificado. Se finalmente me fizesse derrotar – sobrevivido, purgado, inarredável e não mais equacionável –, impunha-se ao lugar do outro. Dobrado, queimado, evacuado. Desancado.
.....Mas sempre um único e apenas ímpar registro. Um último. Mais que o mais recente, o final. Derradeiro. Esperança de resistência. De vir o esgotamento, a finitude, o fundo. Um basta.

20 de fev. de 2011

19 de fev. de 2011

sorriso demente

Um sorriso cínico
a caminhar flutuante
cruza o jardim;
aproxima-se e atravessa
a vidraça da minha janela
– vem dizer que chegou.
Não precisava.
Já tinha ouvido pelo ralo da cozinha
todo aquele murmurinho
brotando vivo subindo
pondo a correr baratas
seus cheiros e desejos.
E chegou.
Informalmente se instala;
abre as cortinas
puxa almofadas e
estende-se no sofá.
Está lá.
Ficará novamente
por noites insones
sorridente de dente demente
dizendo
Aqui estou...
Não precisava.

18 de fev. de 2011

contrastes contidos contigo

a primeira visão foi no escuro dum cinema. pelo recorte de silhueta algumas fileiras adiante, tela em luz ao fundo. o cabelo em corte prático e de irrequieto parar, por tão liso. feito fotogramas: flashes um a um. depois, posta de pé, surge o corpo delgado e de frágil aparência. para logo se fazer voz: pausada, de timbre algo metálico, emoldurada num constante quase sorriso, entre tímido e moleque. em seu autocontrole e clareza, logo põe em dúvida a aventada fragilidade. estava mais para uma autonomia de inesperadas características. mas quais?

restou a direta pergunta: quem és tu? quem és tu a me mobilizar em meio à penumbra fílmica, estilhaçando roteiros já assistidos?

e deu-se a resposta, “num fluxo de pensamentos”:

Estou sendo, uma vez que resultado da minha vontade, dos perceptos e das forças que me atravessam sem paragem numa velocidade infinita. Acerca disso, atribuo sentidos e significados que cambaleiam na tentativa de se tornarem fixos. Mas isso é praticamente inviável, ao passo que a vida em movimento transforma e arrebata todos os conceitos. Vicissitudes, enleios e desejos – é isso que sou. Um emaranhado de pensamentos em busca de nomes para os objetos do conhecimento. É neste conflito que me faço, me recrio e desloco. Sinto-me ansiosa, embora anseie poucas coisas. Sonho em conhecer mundo além dos livros. Quero ainda cantar libertamente com a minha voz rouca. Gosto de compartilhar as coisas na minha hora, dormir bastante e sem demora. Para mim a vida parece simples na sua complexidade – pena a nossa consciência ser uma tragédia e uma angústia que alerta a inquietude diante da nossa finitude [...]. O sol me incomoda na sua intensidade. E o excessivo barulho me causa dores de cabeça. Tento ser responsável e acho possível reconstruir algo que valha a pena. Nesse sentido, procuro não deixar escorrer por entre meus dedos as possibilidades criativas e novas formas vida. Acho que o humano possui uma potência e, sendo ele atento e sensível àquilo que o circunda, é capaz de efetivar suas perspectivas em ato, em um estado que pulsa para algo pleno. Acho que é isso que estou sendo – mas não para, não cessa, até...

e ela ainda canta, filosofa, gosta de outras meninas e, sim, é uma graça.

16 de fev. de 2011

singrando o Negro

estrelas gotejam no céu vítreo amazônico. a projetar origens, o regional singra o Negro, a noite, a vidraça, a floresta hipnótica sempre ao largo.
.....artifícios, esquadro, janela, o recanto em uma casa, um acalanto fictício. águas de uma cidade que nunca deixaram de passar. sementes negras em promessas de um dia me levares contigo.

4 de fev. de 2011

diálogos recortados [in continuum]

“Já em novembro havia lhe dito: todas as verdades podem ser satisfeitas neste planeta. Nele, tudo é permitido. Você pode até achar estranha a afirmação, mas pense bem: nada seria como é – caótico – se aqui na Terra não houvesse essa permissividade toda.”

Mas tudo é muito. Fica por demais aberto...

“Sim. Mas voltemos então a setembro: ninguém escapa ao próprio destino, porque ainda que haja total perdão e redenção não se poderia superar a responsabilidade de libertar o que a própria alma amarrou. Você quer liberdade? Então liberte todo mundo!”

Não é um tanto quanto vago, tudo isso?

“Pois comece a se pensar como uma pessoa diferente daquela que um dia foi. Para isso será necessário que você torne irrelevante a memória de tudo que ocorreu, prestando mais atenção ao que você pode fazer a partir de agora.”

Fechei o jornal, me pondo a imaginar como agir de modo nunca antes aventado como possível...

Bem, se o “poder de realizar através do esforço” é a única e verdadeira facilidade com que minha alma pode contar – como depois viria a me dizer –, resulta que não dependerei das circustâncias para atingir o objetivo desejado. Eu próprio serei o objetivo.

13 de jan. de 2011

2 de jan. de 2011

o caçula

não faz muito, estava ele de ponta cabeça. ouvia dos irmãos mais velhos relatos que, embevecido, lhe pareciam mágicos e topava tudo o que indicavam fazer. como se deixar fotografar por eles nas poses mais inusuais
....de uma hora pra outra, fez 40 aninhos. mudou, por exemplo, o cabelo, agora cortado sempre rente e já não mais liso. ficou a doçura, o fechado nos sentires, tudo na mesma figurinha luminosa

....há tempos é ele que deixa as coisas de perna pro ar. no insólito, no volume, na diversidade, no hermético, na riqueza – de escritos, leituras, desenhos, comentários, rabiscos, conhecimentos, e ainda de seus velhos silêncios
....e aí eu é que fico sem chão, a perceber tudo a passar, mudanças em não mudanças, crescimentos, perdas, movimentos, tudo o que não volta – e um horizonte sempre por se descortinar