24 de dez. de 2010

resignificações

às cinzas tudo volta. tudo da mesma materialidade – em seus átomos germinais – permanece composto. assim a chuva à terra os reintegra, recompõe, recicla, enquanto o tempo cumpre a sua parte.
     só a saudade não possui tal naturalidade na existência. imaterial, tem peso e densidade sem iguais.
     o âmago de quem a sente é tomado de assalto. princípios são abalados, põe-se à prova conceitos transcendentes, num teste supremo de resignação e amor.
contudo, a dor instalada no seio das relações, das quais foi apartado o ser faltante, projeta fecunda potencialidade. a de sentimentos novos, revivificados, deslocados a outros patamares. mais tênues, sutis, perenes.     na carência de sentido, o vazio se vê bordeado. o indizível tem como receber contorno, implantando possibilidade de curso por suas margens. se não chega a dissolver a falta, ao menos lhe confere limites. a ela demarca fronteiras.

     e, mesmo em meio ao plúmbeo e à chuva, mobilizam-se cores infindas: a entrega àquilo que arrebata nos confere profundidade e nos propicia avançar como mais íntimos de um verdadeiro núcleo familiar. posto que o ser ausente, em sua própria supressão, instaura nova condição em nosso estado vivente. e restamos resignificados: a mãe se fez presentificada, mais prenhe que nunca.

Olga a nos escorrer



entre ela e nós
rios céus em imensidões úmidas de recordações.
as gotas, insistentes a cair, como que as despencavam
– e nos uniam ainda mais.


 
ali reverenciamos sua memória
cada qual a sentir a marca própria
do escorrer da ausência dela por dentro.

19/dez./10