29 de nov. de 2012

índigo sentir

                                   no ar fátuo, menina lançou
                                   forma ascendente de anil contido
                                   sombra luz assombro vítreo em quarto
                                   a balouçar

20 de nov. de 2012

dentro dele


A circunferência está no centro,
na semente está o fruto,
Deus no mundo;
o que for inteligente
buscá-lo-á dentro dele.
Daniel von Czepko,
aliás Angelus Silesius (1605-1660)

22 de jul. de 2012

meu pai

Helio Braga da Silveira, 21/jul./2012

21 de jul. de 2012

frágil sensatez

o ar gelatinou-se. seu leque de cores poderia ser cortado a estilete. veio de um fundo imensurável a apresentação em voz grave e segura. moradora de rua, solicitava xerox a serem pagos com o que pudesse... duas cópias de cada página. voltaria para acertar a diferença assim que desse.
     mal-estar instaurado, restou, do atendente, uma não resposta para que aguardasse.
     cônscio de não alimentar o clímax, meu olhar era puro esquivo. suficiente para, minimamente, sinalizar consideração pela mulher? não mirar diretamente a dona da voz – que advinhava bem ao lado – traria, por si, algum grau de respeito por sua autêntica identidade? a oceânica diferença que sua afirmação estabelecia à frágil sensatez cotidiana poderia ser transposta? eu inquerindo, como a um salva-vidas no banco dos réus.
     em estado latente, reverberação de reprografia em contenções íntimas – sustentadas a duras custas. desde olhos outros: relatos efetivos, tidos, críveis, havidos ou não. afetos no âmago implantados, represados por manifestação distanciada. igualmente cônscia. lapso de tempo e de planos, sem tons, subtons nem meios. ali presentificado!
     e transborda. impossível manter ao largo a figura alinhada ao mesmo balcão e que, sem o menor artifício, naquele instante se impunha em silêncio. insistência mansa contra o pretender generalizado em evitá-la
     ela se fez o centro na tela daquela manhã xerografada. tudo se desvaneceu. remetidos à permanência de um outro distanciamento, meu fitar vazado de já não ver a outra mulher verteram-se em gesto. sugados por olhos azuis que não conferiram maior opção: ao menos serem encarados.
     hiato deserto, deserto da outra mulher... e dos rastros por ela dispostos em mil direções. ok, todos os passos perdidos são meus! e me dirigi àquele maltrado olhar, plantado no digno desejo de mera reprodução das anotações que lhe eram, mais que suas, sua inscrição.
     juntei meus anzois. e os papeis delas aos meus. frente e verso. duas cópias de cada. claro, tal fulgurante visão não se produz duas vezes no mesmo lugar... mas como me danei eu, enquanto outra Helena reverberava dos olhos azuis daquela maltrapilha Renata Maria, ou alguma outra Maria, ou Renata...
     e nenhuma brisa mais soprou.

6 de jan. de 2012

trago uma metáfora nos olhos

o olho direito vem falhando há tempos. da miopia corrigida bons anos atrás, nele restou uma falha médica num dos cortes radiais ali empregados. daí a permanente dificuldade para ajustar lentes do astigmatismo surgido, outra herança da tal cirurgia, então tida como de ponta. mais tarde, a experiência de um deslocamento vítreo, remetendo a viagens lisérgicas: do nada, algo interferindo no campo de visão. sujeira nos óculos? limpos, o problema se manteve; quem sabe algo preso à sobrancelha... que nada. incontroláveis, pontos e manchas e fios e ramificações foram se multiplicando. formas e composições em indescritíveis dimensões. alucinação solta num só lado da visão. até chegarem a verdadeiras explosões, relâmpagos de uma tempestade em céu que anoitecia sem uma nuvem sequer... vários especialistas depois, com exames sob quantidade ímpar de luz projetada no fundo ocular, aos poucos as manchas foram diminuindo. restam certo embasamento e pontinhos que teimam em ter autonomia de movimento e de aparição.
     era o olho ‘ruim’.
     surgiu, enfim, uma estranha inexatidão geral na visão, difícil até de detalhar. gradativamente fez-se complicado precisar as coisas. foi se perdendo o rigor na profundidade entre elas, conjunto de objetos semelhantes, ambientes com determinada iluminação, letras... ah, a leitura! sobrepunham-se letras, linhas embaralhavam-se e a imagem oriunda de cada olho agora tinha tamanho diferente em relação à do outro. uma mesma imagem, mas de dimensões e qualidade distintas. naturalmente, na fusão final feita pelo cérebro, as duas não casavam, gerando incômodo crescente. as mais variadas posições dos óculos no rosto traziam falsas soluções – assim como novos diagnósticos, de numerosos oftalmologistas; são testadas mudanças de eixo nas lentes, diversos e variados exames, testes com lentes de contato especiais... nada. uma suspeita de catara também se viu improcedente. e o desconforto visual só aumentando.
     que mais problemas estariam surgindo na visão direita, de diagnóstico assim tão difícil? eis a minha constante questão.
     até que, quase dois anos após os primeiros sintomas, um mais novo exame pedido em meio a outros (‘por desencargo’) constatou por fim a disfunção da visão: uma membrana epiretiniana, ou membrana macular em celofane, no fundo do olho. sobre a fóvea, tecido nobre para a visão. sem origem identificável, ela distorce os vasos retinianos circundantes e, desse modo, a própria visão daí formada. e tudo isso no olho esquerdo...
    e lá se foi o ‘olho bom’...
    cirurgia possível, mas “sem garantias de sucesso”. além de desagradável pós-operatório, ainda traz efeitos colaterais praticamente garantidos– deslocamento da retina, hemorragia, infecções, entre outras sequelas.
    ou seja, o que era ruim – o olho direito com suas deficiências – mostrou-se ao fim a solução para contrabalançar o prejuízo do esquerdo, insistentemente agora a comprometer a junção final das imagens projetadas por ambos os lados. elas não harmonizam em tamanho nem em função dos desalinhamentos horizontais e verticais provocados pela mácula.
    se história tivesse mesmo moral, seria algo como: não menospreze aquilo que possa parecer ruim, ele pode, ao fim, ser o melhor da tal história. aquilo que turva também pode trazer sentidos, percepções; no desalento e dificuldade, tornar-se escrita. abrir visão.

uma palavra por outra, o bom pelo ruim. o ruim pelo bom, a mácula pela percepção. paradoxo a lembrar que tudo que é pode até de fato ser... o sentido gerado do não-sentido – viscosidade solidificada numa forma genuína de enxergar. e sou lembrado disso a todo instante. basta abrir os olhos. ou apenas um deles.