8 de ago. de 2009

despássaro


(...) empoleirada próximo ao solo, seu baixo poder de voo podia ter origem na ossatura de aparência densa, a resultar asas praticamente em desuso. de andar duro, como aos saltos, definitivamente adaptada – com seu pesado bico desproporcional ao corpo – ao chão úmido da floresta. com penas de esvaecente azul e em aparente desequilíbrio sobre um mísero galho, mantinha-se em meio a sombras de jacintos abrigadores de seu olhar de pedra, a encarar, blasé, a quem nele se fixava, chocado frente a tamanha expressão de tristeza.

O trecho acima compunha a descrição do único exemplar da ave – jamais vista antes nem depois – feita pelo explorador Marcel Bich, em 1951, no coração em trevas da Ásia central. Os traços do exótico animal foram por ele capturados durante desastrada excursão promovida pelo Muséum National d’Histoire Naturelle, sob o patrocínio da então emergente Cristal, empresa francesa especializada em peças para canetas-tinteiro e lapiseiras. Contudo, esse registro não foi suficiente para classificá-la cientificamente. E poderia ter sido? Graças ao jornalista húngaro László Biró, um dos poucos sobreviventes da famigerada expedição, o desenho viu-se recuperado e, quase uma década mais tarde, recebeu breve abordagem numa revista de ornitologia da região de Bourgogne. O ensaio expunha alguns detalhes dos incontáveis percalços da expedição comandada por Bich, como a devastadora febre que se abateu sobre os carregadores nativos, ataques de animais selvagens, fuga do guia e, ao fim, o próprio suicídio do pesquisador francês. Assinado por Edouard Buffard – um pseudônimo de Biró, até hoje se suspeita –, o texto chegava a aventar a classificação do tal pássaro como Pennatus bic hyacinthe. Nenhuma repercussão obteve a publicação. De marco mesmo apenas o fato de ali ter sido reproduzido pela única vez o desenho original de Bich. Ao que tudo indica, sua derradeira contribuição, ainda que frágil, à zoologia.

ao Dudus

Um comentário:

obrigado por suas gotas!