o jantar tinha sido seco, ritmado exclusivamente pelo hábito da fome. desses em que mal se acaba e já se levanta.
contemplando da varanda o oceano, por detrás da fumaça do cachimbo, recordo os dias em que velejar era tudo. fazer-se ao mar e ler luas e marés e estrelas. verniz aplicado com areia ao casco do barco, vento noroeste, por milhas e milhas a percussão das ondas. o respingar salgado.
e em nossos rostos a tensão de quem juntos, na cadência dos fluxos e refluxos marítimos, podíamos singrar o imprevisível... há quanto tempo!
resgate e rasgo e raio: ondas suplantam a memória alquebrada e espumam num só gesto, num só eco – onde o terei perdido? por que bombordo ou estibordo terá ele restado? não há mais velas, bóias, bolinas nem horizontes infindos. sequer uma mísera carta náutica a indicar quaisquer coordenadas suas.
um pequeno arroto daquilo mal digerido me traz de volta. de dentro da escuridão, ao fundo, relâmpagos delineiam por um momento o limite entre céu e a imensidão de água.
sobre a mesa, guardanapos recém-usados, restos de frutos do mar e manchas de vinho ordinário em contraste com a toalha de linho.
como incessantemente o mar nos arrecifes, a ausência dele em mim não dá sossego. esta madrugada certamente choverá.
para o Vandão
demais de lindo esse texto!
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