20 de ago. de 2010

sob o escape das palavras

então se dispôs a anotá-las. uma comprida lista passou a compor, centopeia a se alongar. aquele termo fugidio em meio a uma conversação, aflorado à mente só após o seu término, um outro que não vinha à cabeça ou ao papel apesar de fundamental à expressão do sentido pretendido, o email paralisado, esburacado na ausência da fusão precisa de determinadas sílabas... também compunham a tripa vernacular vocábulos emergidos à toa, sem que sua semântica pretendesse ser empregada de imediato ao que quer que fosse – unicamente por pura captura do som, ritmo das sílabas deles; ou ainda ao se destacarem, por vaga identificação de sentido ou sua fonética, por casual tropeço em texto alheio, manchete de jornal, comentário solto de alguém. assim, enquanto restavam com frescor na memória, ante o risco de caírem no vácuo do esquecimento, ele transferia tais palavras para a listagem. de perninhas cada vez mais numerosas, miriápode significância a suscitar utilização de modo mais orgânico. espectro de texto. vulto narrativo.

estavam por lá consentâneo, desfaçatez, escarafunchar, idiossincrasia, ipisis litteris, lápis-lazúli, nheengatu, unanimismo... relação. apenas cada signo em si. na inexistência da menor referência a qualquer frase, muito menos relato. processo inverso ao digerir palavras, comê-las. por assimilar. em feitio de absorção de sentidos para discurso. na verdade, mais para anotações de receitas, quando indicado: “reservar”. antes de ganhar aplicação. emprego. ou feito massa posta a descansar. à espera de ir ao forno. garantia de que não se perdessem. como que tateando ao redor de uma intenção de expressão, feito predador e presa. bordeando algo para o qual aquelas palavras possuíssem um propósito, embora ali oculto, a lhes garantir futuro significado num todo. qualquer todo. mas já aí em um primeiro indício, mesmo vago e impreciso: algo começava a se mover. estava a se processar. para além do miriápode vocabularizável. início. iniciação, apontando para o interior de um mistério. o do se poder vir a criar. invento! o próprio mistério. etimologia como necessidade de sentido para o fato da vida não bastar.

os vocábulos, assim em sua apresentação isolada, per si, também tinham-lhe outros ecos. como no relativo aos nomes próprios. quanta dificuldade em recordá-los, buscando vinculá-los a rostos encontrados em passado antigo ou próximo. pior: momentos angustiantes entre trocar cumprimentos inesperados, sem que o nome do dito-cujo aflorasse. estabelecer os primeiros diálogos, enquanto – preocupando-se em não transparecer as tribulações que lhe iam por dentro – percorria o alfabeto, apostando que, ao se deparar com a primeira letra do nome do sujeito, o termo fugidio se fizesse delineado à mente. a, b, c, d... muitas vezes isso dava certo. mas quantas vezes ...u, v, x, z! e nada! e toca a recomeçar: a, b, c, d... à medida que a conversa rolava na mais natural das aparências. e voltava a passar tipo fotograma de filme: ...e, f, g, h...

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